domingo, 19 de janeiro de 2014

Coisas de família

Em algum momento vai aparecer. Você não sabe quando, nem como - mas aparece.
É aquele traço, aquela mania, um jeito de falar, a mistura de sorvete de limão com chocolate, o jeito de rir, talvez, quem sabe, uma covinha na bochecha esquerda, que mesmo que você tente, disfarce, lave com água e sabão vai denunciar uma hereditariedade. Pode ser a calvície. O gênio. O nariz. Aquilo que passa de pai pra filho, de mãe pra filha ou, e isto quem estuda biologia e sequências genéticas vai explicar melhor, o tom da pele do tataravô. Polinização do ser humano, deve ser isso. Como se fosse uma abelha que leva pólen daqui pra muito longe daqui, a maneira como seu avô limpava os dentes, aparece no seu filho - que nunca teve contato com o velho, falecido há pelo menos 30 anos antes do nascimento do bisneto. Pode ser a habilidade de moldar o barro, talhar a madeira. Pode ser um olfato maravilhoso, que consegue distinguir com precisão quais os temperos foram utilizados no prato que se degusta ou, se o que está sendo servido passou do ponto. Historinha familiar ítalo-curitibana. Se você conhece a cidade, certamente passou pelo bairro de Santa Felicidade - cheio de restaurantes imensos, barulhentos e de culinária italiana. Se não conhece, inclua na sua próxima visita. Lembra um pouco a região do frango com polenta em São Bernardo do Campo, se não me falha a memória - os lapsos acontecem com frequência.
Final de semana de festejos, quem morava em São Paulo foi para Curitiba celebrar o aniversário do tio Benito ou da tia Ellen - como eu disse, a memória falha. Todas as irmãs de minha mãe, cunhados e filhos estavam presentes. Mesa grande, nada silenciosa - quem é descendente do mangia che te fa bene sabe do que estou falando. Um tempo de espera, organizaram a mesa e todos se sentaram. O serviço não é do tipo que você escolhe o que quer do cardápio. Não. Começam os antipastos e chegam travessinhas de alumínio com sardela, aliche (será sardinha?), azeitona temperada, fatias de pão italiano, patê de queijo gorgonzola e caponatta - tomate, cebola, berinjela, azeite e outras delícias assadas e bem temperadas. Na família, quem tem o nariz que tudo detecta, é minha mãe. Sentada no centro da mesa, conforme o garçom oferecia um dos quitutes para serem degustado, discretamente (claro!), ela sentia o aroma do que estava sendo servido e dizia tá bom... tá passado... tá bom... tá passado. Ninguém passou mal depois do almoço, a triagem foi perfeita.
Esse olfato eu não herdei. Herdei outras coisas, uma delas só se manifestou depois do segundo casamento. Campari. Mamãe tomava uma dose com gelo e limão, quando eu era pequena.
Eu tomo puro.

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