domingo, 5 de junho de 2016

Único

Algumas coisas na vida acontecem uma vez só.
A troca dos dentes de leite pelos definitivos.
A perda da virgindade.
Calvície.
Outras coisas podem acontecer mais de uma vez, mas carregam consigo características que a fazem únicas.
Os encontros, por exemplo.
Podemos enumerar diferentes tipos encontros: amorosos, sociais, comerciais, ao acaso; mas mesmo dentro dessas categorias, conseguimos reconhecer aquele que é do tipo "once in a lifetime". Unique.
Um encontro que você "sabe" que não acontecerá de novo.
Oito pessoas ao redor da mesma mesa. Comida e bebida. E, da maneira como está acontecendo agora, você sabe que não vai se repetir.
Duas das pessoas presentes estão indo para outro canto do mundo. Outras três você só conheceu por causa das que estão indo embora. Restam três, com algum envolvimento anterior.
Descrevendo dessa maneira, parece com tantos outros encontros que você já vivenciou, talvez seja mais um... mas não é.
A diferença é que você sai diferente da forma como entrou. Alguma coisa, mesmo que pequenina, se alterou. Uma pergunta ficou em sua cabeça, uma nova ideia, a risada solta em uma piada nova, a lembrança que vai guardar "daquele" momento específico, ou, simples e deliciosamente, as pessoas que estavam ao redor daquela mesa.
Às vezes, participamos de encontros frequentes com as mesmas pessoas. São divertidos, calorosos, mas são apenas "mais um encontro com as mesmas pessoas".
As mesmas piadas.
Os mesmos rostos.
As mesmas ideias.
Mais do mesmo.
É bom, é confortável, é seguro. Delicioso, por isso se repete. Mas não é único.
E tem aqueles encontros que acontecem uma vez só, ficam pra sempre e nem precisamos fotografar.
O registro está na alma.

terça-feira, 31 de maio de 2016

Silêncio em silêncio

Ela prepara uma xícara de chá, acrescenta duas gotas de adoçante, alcança a colherinha e mexe, mexe, mexe, mexe, mexe, olhando nada, nada, nada, nada, nada. Naquele espaço só existe lugar para o som da colherinha batendo na xícara. Dá um gole no chá, está frio, faz careta e joga o restante na pia.
Caminha sem saber se vai ao banheiro fazer xixi, ou se segura mais um pouco. Segura. Daqui a pouco eu vou, logo passa a vontade. Na sala, escolhe sentar na poltrona que nunca recebe sol. Seus olhos se fixam nos fios puxados das almofadas, preciso comprar um arranhador pra essa gata. Segura entre os dedos um dos fios soltos, que não oferece resistência e vai se alongando, alongando, alongando, alongando, alongando, até ser preciso fazer uma bolinha, enrolar o fio nele mesmo, numa cadência hipnótica e rítmica entre o movimento de sua mão e o fio que sai do tecido e o buraco que surge na almofada. Sem fim, isso não tem fim.
Corta o fio, deixa cair a bolinha no chão, a gata pula para brincar com aquele esboço de novelo, ela cutuca o buraco recém criado. Cabe meu dedo, cutuca um pouco mais, sente-se segura, puxa com força e faz um rasgo. E outro. E outro. E outro.
Tiras largas de tecido saem de suas mãos, misturadas com espuma, já é possível entrever a madeira da estrutura. A madeira da estrutura. A gata passa por entre as suas pernas, perdeu o interesse na bolinha. E ela, perdeu o interesse.

foto: imagem da internet