sexta-feira, 12 de junho de 2015

Uma historinha de amor

Hipotética saiu de Townsville e foi morar em São Luis do Maranhão. Fotógrafa, casada com Engenheiro, sem filhos.
Naquele ano choveu tudo o que nunca havia chovido em São Luis. O céu era cinza constante, as ruas encharcadas como bolo úmido, assim como os sapatos, as roupas e a alma de Hipotética. Desnecessário torcer peças para que ficassem um pouco secas ou colocar na secadora. Molhavam de novo. Pesados, encharcados, desconfortávies, barulhentos... tchóff... tchóff... tchóff... eram os sons que ela ouvia dia após dia.
Tinham dito a ela que o Brasil era ensolarado, com dias lindos, quentes e praias maravilhosas. Céu azul, imagens de cartão postal, excelente para fotógrafos. Paisagens paradisíacas. Naquele ano, não. Chuva. Torrencial. Nordeste brasileiro chuvoso. Tchóff... tchóff... tchóff... eram os sons que ela ouvia quando voltava do supermercado. Quando dava uma volta no quarteirão. Quando ia até a padaria. Quando clicava uma foto. Só chuva.
Português, não falava. Recebeu a sugestão de evitar sair de seu apartamento com a máquina fotográfica, corria o risco de ser roubada se fizesse isso. Perderia sua ferramenta de trabalho. Diminuiu as saídas.
Hipotética fotografou incansavelmente a mesma imagem, o mar visto da janela de seu apartamento. Com chuva.
Engenheiro trabalhava. Muito.Viajava, deixava Hipotética em casa com um beijo na testa e um volto logo. Viajava. Hipotética, se encharcava. E clicava o mar visto da janela de seu apartamento.
Demorou um ano para Hipotética voltar à Townsville, sem Engenheiro.
Chorou muito, comprou um dachshund, voltou a clicar imagens mais secas em sua cidade natal.
Brasil, São Luis do Maranhão e a chuva, ficaram para trás. Assim como seu casamento.
Encontrou uma parceira de clique, abriu uma empresa, fotografavam casamentos, nascimentos, amor. A parceria profissional entre Hipotética e Madura cresceu.
Madura já havia sido casada, dois filhos adultos, cabelos brancos bem cortados e elegantes. Um sorriso lindo, com pequenas rugas ao redor dos lábios que revelam dores secretas. Mesmo quando ela sorri para Hipotética - que sorri de volta, sem ainda ter rugas ao redor dos lábios, mas já com dores secretas.
A parceria emocional, nasceu.
Descobriram-se.
Madura mudou-se para Perth. Hipotética ficou, até agora.
Hipotética acaba de anunciar nas redes sociais que está indo morar com seu amor.
E levou o dachshund.




sábado, 30 de maio de 2015

Rue Tolosane

Final da tarde, três velhinhos, dois homens e uma mulher, sentados num banco em Verfeil.

Nosso almoço tinha sido uma experiência do outro mundo.
Thomas Nicolas desistiu do violoncelo e foi afinar paladares. Tocou por muitos anos, participou de diferentes competições e, em algum momento, disse ele, simplesmente não parecia certo. Algo místico. De misticismo entendemos, disse a ele sobre os brasileiros. Foi um chamado, uma mudança que não conseguia explicar racionalmente. Deixa a razão pra lá, compreendemos muito bem o conceito de chamados místicos.

O cardápio que ele ofereceu naquele sábado seguiu o caminho do inexplicável. Pequenas porções de grandes sabores, com produtos locais e beterraba preparada de uma forma que deixaria minha mãe orgulhosa de mim, pois comi tudo. 

Quatro pessoas se dedicam aos vinte e cinco lugares oferecidos pelo restaurante, número suficiente para termos um bom controle do atendimento, da cozinha e da divisão de lucros, contou Sebastién, responsável pelo salão, anotando os pedidos, sugerindo vinhos e esbanjando simpatia. Coraçõezinhos para ele em atendimento!
Fotos, claro! Mania brazuca, acentuada pela minha particular dificuldade de memorizar só os fatos. Assim sendo, clico Thomas, Sebastién, os pratos, dois cães que parecem de pelúcia de tão comportados que estão, a pequena de sete anos que acompanha seus pais, a esposa do chef e o banheiro. Pode rir. Fotografei o banheiro por causa da minha cunhada arquiteta, mas isso é assunto para outra crônica.
Uma bolota laranja-cítrico-físico-química trazida em uma moderna colher retorcida, acompanha o café e a conta. Chega. Parece que não há mais espaço para experiências sensoriais. Engano. O melhor viria depois da conta paga.

O vilarejo é lindo, parece que a Amelie Poulain vai aparecer a qualquer instante.
Uma caminhada depois do almoço, antes de pegar a estrada e tirar mais algumas fotos de flores, janelas, casas, do preguiçoso e lindo gato e dos velhinhos. Fico disfarçando, não quero ser invasiva, isso não combina com o lugar.
A senhora é a mais animada, fala, gesticula e sorri para os dois companheiros de banco. Passo por eles e, estupidamente, pergunto em francês se falam português. Sei lá, deu a louca.

Conchita devolve rápido, português não, mas falo espanhol, soy de Valencia. Era o enrosco que ambas precisávamos, e meu clique estava garantido. Um dos senhores fala qualquer coisa, se levanta e vai embora. Interrompi algo, mas Conchita e Jorge não se incomodam.

O pai dela deixou a Espanha na época da guerra e quando ela completou quinze anos, veio para Verfeil juntar-se a ele e aqui ficou. Casou-se com Jorge, tiveram três filhas, Sylvie, Isabel e Patricia; os seis netos e três bisnetos. Gabriel, o mais novo, tem oito dias.

Sua casa foi também seu trabalho, ali mesmo na entrada, onde hoje é a sala, comercializava miudezas. Agora não mais, já estão aposentados e ela precisa - e quer - cuidar do marido. Conchita mostra os vasos em que havia plantado, no dia anterior, algumas flores, y ya sacaran casi todo, diz ela rindo.  Pergunto sobre uma das plantas, recebo a explicação de que serve para aliviar dores, curar feridas e, pronto!, sapatos tirados, ela pega algumas folhas e faz uma compressa no meu calcanhar para tratar das bolhas. E nos convida para entrar, pois Jorge quer nos oferecer um café.

Cheiro de família, carinho e memórias dentro do lar. Conchita mostra uma cristaleira, mi papá hizo, acaricia orgulhosa a peça. Ele havia sido construtor e um dia disseram que ele não poderia mais construir casas. El empezó a hacer muebles. Nossos maridos engatam numa conversa de muitas risadas e quase nada de compreensão. O simpático velhinho aos noventa anos, já não fala muito bem, anda com dificuldade e a todo instante nos pergunta ¿café?; ¿vamos tomar un café?

O tempo flui, vejo o album de família, escuto as histórias, quem se separou, quem é filho de quem, onde trabalham filhos e netos, é o reencontro com uma velha amiga desconhecida. 

Precisamos ir, a estrada nos aguarda. Jorge reclama que o café não veio, entra Gloria, uma vizinha, nossa anfitriã explica numa mistura de espanhol com francês quem são os invasores brasileiros. Precisamos ir. Conchita me segura pelo braço, pede para eu esperar, folheia seu álbum de fotos, arranca uma e diz recuerdo. Peço a ela o endereço de sua casa, quero enviar uma foto da minha família. Toda atrapalhada ela diz que não consegue escrever e pede para Gloria que anote num papel o nome da rua.
Rue Tolosane, última casa à direita de quem sobe. Em frente ao banco.










quinta-feira, 28 de maio de 2015

Rodas em Toulouse

São Paulo é aproximadamente 26 vezes maior que Toulouse em população. E Toulouse, 26 vezes maior que São Paulo em educação.
Ela, sempre ela, a "marvada da educação".

Para entender mais profundamentes as regras, o comportamento, os valores e o "lado negro da força" de um país, uma cidade e sua gente, é essencial um tempo maior de permanência.Tenho poucos dias aqui, corro o risco de ser superficial, mesmo assim sigo escrevendo.

Cadeiras de roda, patins, skates, bicicletas, patinetes nas versões motorizado e "pezinho empurrando", carrinhos de bebês, ônibus e carros convivem em harmonia.
Bicicletas e ônibus usam a mesma faixa. Ciclistas utilizam calçadas, faixas e zonas de pedestres, praças e ruas. Eles compartilham todos os espaços. Algumas faixas verdes pelas ruas indicam uma certa exclusividade para a magrela. Diferente do que foi feito em São Paulo no bairro de Moema, a faixa de rua faz com que a bike divida espaço com o carro, não com a guia. Muito melhor, assim o carro estaciona onde deve mesmo - e não no meio da rua, como acontece no bairro paulistano.

Poucas buzinas nervosas neste cenário. Uma coisinha aqui, outra ali, mas para quem vem de São Paulo, chama a atenção este clima de respeito que paira no ar e nas ações. Eu sei que existe tensão aqui. Social, política, religiosa... mesmo assim, o respeito se sobrepõe. Onde moro, a insegurança e a falta de respeito é que aparecem mais. Temos outras qualidades, sem dúvida. O que desejo abordar aqui é mais pontual. Educação. Compartilhamentos.

Cada um cede um pouco e todos desfrutam dos espaços. 
Pouca sujeira fora das lixeiras, uma bola que cai em meio às roseiras é retirada de maneira a não danificar as plantas, o tom de voz é harmonioso, uma risada ou um chamado mais alto são pouco frequentes. Não pisei e nem vi, cocô de cachorro na rua. Difícil observar em 3 ou 4 dias o que acontece de errado. Quem me traz para a concretude de que nem tudo são flores, é um senhor e seus amigos, sentados próximos à mim, que sugerem que eu guarde meu computador para não ser roubada na praça. Uma frase me leva do primeiro mundo ao terceiro, em segundos.

O clima de segurança, respeito e paz, além do céu azul, apontam na direção dos desafios e possibilidades que temos no Brasil. Amplos como o céu, possíveis como o que observo acontecendo nesta praça.

Duas senhoras sentam-se ao meu lado, pedem licença, faço menção de dar mais espaço e elas recusam. Dizem algo, mas só entendo a palavra gentil.
É isso, as rodas em Toulose são bem gentis umas com as outras.



quarta-feira, 20 de maio de 2015

Lola, rosas y siesta


Em um episódio do seriado Seinfeld, não me lembro qual, Elaine afirma que quando você diz sim, coisas surpreendentes podem acontecer. Eu não imaginava que isso incluiria aceitar uma encomenda quando você viaja.

Nunca fui fã de aceitar encomendas para amigos e familiares. Sei lá, aprendi com meu pai que isso é uma fria. Desta vez, topei. Aliás, me candidatei pelo Facebook, o que é BEM diferente de alguém pedir para você. Eu me ofereci, disse sim para a postagem.

Acabei conhecendo a história da Officina Profumo Farmaceutica di Santa Maria Novella (www.smnovella.com), fundada em 1621, em Florença. Graças à tecnologia, pude fazer um tour virtual na loja, conhecer seus produtos e ficar curiosa para sentir os aromas que ela cria. Nesse video não tinha Maria Dolores, Mariló, a vendedora da unidade em Valencia.

O procedimento era simples: comprar o perfume, pagar e sair. Mariló, nascida em Valencia, fez com que a simples compra fosse uma experiência.

Ela deve ter uns 65 anos (não disse a idade e nem deixou tirar foto), simpática, sorridente e falante. Com ela aprendi que minha gata, na verdade, se chama Maria Dolores e que Lolla é apenas um apelido, assim como Mariloli ou Mariló. Ou como Bio, apelido de Severino; Pati, de Patricia, Dudo de Eduardo, Chico de Francisco, Pepe de José, para os espanhóis; Zé para os brasucas, e por aí vai.

Mariló não recomendou as paellas dos restaurantes na cidade. Não, o ideal é comer a tradicional paella valenciana nas cercanias, mas em outra época do ano. Os lugares onde podemos encontrar uma paella cozida lentamente na lenha, feita pelos homens como reza a tradição, e com todos os ingredientes separados, lavados, picados, preparados pela mulher (como rezam a maioria das tradições culinárias familiares); nesta época do ano estão locadas para os casamentos. Maio, também é o mês das noivas por aqui.

Falante, a interlocutora avança por todas as áreas. A siesta, tradicional parada de 2 horas (ou mais) para o almoço está sendo alterada por conta do El Corte Inglés, tradicional loja de departamentos na Espanha. Ela já não almoça mais em casa, come apenas um iogurte no trabalho. As eleições, que acontecem dentro de uns dias na cidade, não irão mudar o perfil corrupto da cidade. Valencia está desfalcada depois de 24 anos do mesmo partido no poder. Ela já tem netos, adora seu trabalho e tem dificuldades em se comunicar com o estoque da loja, que fica na Itália. O computador administra com facilidade os números, mas as pessoas precisam do mesmo idioma para se entender, quando o computador não resolve. Ela ri, diz que é engraçado ter um tradutor entre Espanha e Itália. Mariló ainda faz o controle do estoque no papel, já faltou luz na loja e a garantia de números precisos foram suas anotações na caderneta. O computador e minha caderneta, precisam bater, diz ela.

Creio que não foram mais de 15 minutos para comprar o tradicional perfume de rosas. Perdi a noção do tempo durante nossa deliciosa conversa. O passeio que Mariló proporcionou através de suas histórias, seu sorriso, sua simpatia e a explicação dos nomes e apelidos, valeram cada minuto.

Elaine, do Seinfeld, estava certa. Quando você diz SIM, coisas incríveis podem acontecer. Como uma simples conversa, numa loja de perfumes, comprando uma encomenda.

E, para acrescentar mais informação, Pepe, o apelido de José, deriva do espanhol padre putativo (pai adotivo), numa referência à José, pai de Jesus. Pode conferir!



segunda-feira, 27 de abril de 2015

Desgraça

É uma segunda-feira como outra qualquer.
A síndrome dominical apertou o coração de alguns, pílulas foram tomadas para que o induzido sono fosse profundo. Na falta de pílulas, ou somada à elas, vinho, cerveja, o que tiver. Tudo para que a noite de sono exista.
A segunda-feira nunca foge de nós. Nem as manchetes de jornais.
Calbuco explode no Chile, cidade em recuperação, cinzas para todos os lados.
Nepal treme, os sobreviventes choram seus mortos.
Everest desce montanha abaixo.

Para onde olhamos, notícias nos chamam a atenção para a fragilidade de nossas vidas - clichê, mais real impossível - e a internet faz com que percamos a noção de prioridade. Sim, prioridade.
Consigo chorar por todos?
Consigo ajudar a todos?
Doações de medulas, Boko Haram disseminando ódio e medo, crianças deficiente sofrendo bullying e crianças saudáveis sofrendo bullying também; a primeira dama dos EUA dança para conscientizar sobre a obesidade infantil e no Brasil crianças ainda morrem de fome.

A leitura de uma postagem me sacudiu. Nick Vujicic escreveu, que se pudermos ser amigo de verdade para alguém, orando e encorajando essa pessoa de alguma forma, este é o primeiro passo para fazermos deste mundo um lugar melhor. Mais um clichê, esquecido: pense globalmente, aja localmente.

Sábado levei flores para minha vizinha que ficou viúva há 8 meses e eu não soube na época.
Vizinha. Muro com muro.

Segunda-feira...





https://www.facebook.com/NickVujicic/photos/a.10150288127460573.562924.369613900572/10155461295085573/?type=1&theater