sábado, 30 de maio de 2015

Rue Tolosane

Final da tarde, três velhinhos, dois homens e uma mulher, sentados num banco em Verfeil.

Nosso almoço tinha sido uma experiência do outro mundo.
Thomas Nicolas desistiu do violoncelo e foi afinar paladares. Tocou por muitos anos, participou de diferentes competições e, em algum momento, disse ele, simplesmente não parecia certo. Algo místico. De misticismo entendemos, disse a ele sobre os brasileiros. Foi um chamado, uma mudança que não conseguia explicar racionalmente. Deixa a razão pra lá, compreendemos muito bem o conceito de chamados místicos.

O cardápio que ele ofereceu naquele sábado seguiu o caminho do inexplicável. Pequenas porções de grandes sabores, com produtos locais e beterraba preparada de uma forma que deixaria minha mãe orgulhosa de mim, pois comi tudo. 

Quatro pessoas se dedicam aos vinte e cinco lugares oferecidos pelo restaurante, número suficiente para termos um bom controle do atendimento, da cozinha e da divisão de lucros, contou Sebastién, responsável pelo salão, anotando os pedidos, sugerindo vinhos e esbanjando simpatia. Coraçõezinhos para ele em atendimento!
Fotos, claro! Mania brazuca, acentuada pela minha particular dificuldade de memorizar só os fatos. Assim sendo, clico Thomas, Sebastién, os pratos, dois cães que parecem de pelúcia de tão comportados que estão, a pequena de sete anos que acompanha seus pais, a esposa do chef e o banheiro. Pode rir. Fotografei o banheiro por causa da minha cunhada arquiteta, mas isso é assunto para outra crônica.
Uma bolota laranja-cítrico-físico-química trazida em uma moderna colher retorcida, acompanha o café e a conta. Chega. Parece que não há mais espaço para experiências sensoriais. Engano. O melhor viria depois da conta paga.

O vilarejo é lindo, parece que a Amelie Poulain vai aparecer a qualquer instante.
Uma caminhada depois do almoço, antes de pegar a estrada e tirar mais algumas fotos de flores, janelas, casas, do preguiçoso e lindo gato e dos velhinhos. Fico disfarçando, não quero ser invasiva, isso não combina com o lugar.
A senhora é a mais animada, fala, gesticula e sorri para os dois companheiros de banco. Passo por eles e, estupidamente, pergunto em francês se falam português. Sei lá, deu a louca.

Conchita devolve rápido, português não, mas falo espanhol, soy de Valencia. Era o enrosco que ambas precisávamos, e meu clique estava garantido. Um dos senhores fala qualquer coisa, se levanta e vai embora. Interrompi algo, mas Conchita e Jorge não se incomodam.

O pai dela deixou a Espanha na época da guerra e quando ela completou quinze anos, veio para Verfeil juntar-se a ele e aqui ficou. Casou-se com Jorge, tiveram três filhas, Sylvie, Isabel e Patricia; os seis netos e três bisnetos. Gabriel, o mais novo, tem oito dias.

Sua casa foi também seu trabalho, ali mesmo na entrada, onde hoje é a sala, comercializava miudezas. Agora não mais, já estão aposentados e ela precisa - e quer - cuidar do marido. Conchita mostra os vasos em que havia plantado, no dia anterior, algumas flores, y ya sacaran casi todo, diz ela rindo.  Pergunto sobre uma das plantas, recebo a explicação de que serve para aliviar dores, curar feridas e, pronto!, sapatos tirados, ela pega algumas folhas e faz uma compressa no meu calcanhar para tratar das bolhas. E nos convida para entrar, pois Jorge quer nos oferecer um café.

Cheiro de família, carinho e memórias dentro do lar. Conchita mostra uma cristaleira, mi papá hizo, acaricia orgulhosa a peça. Ele havia sido construtor e um dia disseram que ele não poderia mais construir casas. El empezó a hacer muebles. Nossos maridos engatam numa conversa de muitas risadas e quase nada de compreensão. O simpático velhinho aos noventa anos, já não fala muito bem, anda com dificuldade e a todo instante nos pergunta ¿café?; ¿vamos tomar un café?

O tempo flui, vejo o album de família, escuto as histórias, quem se separou, quem é filho de quem, onde trabalham filhos e netos, é o reencontro com uma velha amiga desconhecida. 

Precisamos ir, a estrada nos aguarda. Jorge reclama que o café não veio, entra Gloria, uma vizinha, nossa anfitriã explica numa mistura de espanhol com francês quem são os invasores brasileiros. Precisamos ir. Conchita me segura pelo braço, pede para eu esperar, folheia seu álbum de fotos, arranca uma e diz recuerdo. Peço a ela o endereço de sua casa, quero enviar uma foto da minha família. Toda atrapalhada ela diz que não consegue escrever e pede para Gloria que anote num papel o nome da rua.
Rue Tolosane, última casa à direita de quem sobe. Em frente ao banco.










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