terça-feira, 31 de maio de 2016

Silêncio em silêncio

Ela prepara uma xícara de chá, acrescenta duas gotas de adoçante, alcança a colherinha e mexe, mexe, mexe, mexe, mexe, olhando nada, nada, nada, nada, nada. Naquele espaço só existe lugar para o som da colherinha batendo na xícara. Dá um gole no chá, está frio, faz careta e joga o restante na pia.
Caminha sem saber se vai ao banheiro fazer xixi, ou se segura mais um pouco. Segura. Daqui a pouco eu vou, logo passa a vontade. Na sala, escolhe sentar na poltrona que nunca recebe sol. Seus olhos se fixam nos fios puxados das almofadas, preciso comprar um arranhador pra essa gata. Segura entre os dedos um dos fios soltos, que não oferece resistência e vai se alongando, alongando, alongando, alongando, alongando, até ser preciso fazer uma bolinha, enrolar o fio nele mesmo, numa cadência hipnótica e rítmica entre o movimento de sua mão e o fio que sai do tecido e o buraco que surge na almofada. Sem fim, isso não tem fim.
Corta o fio, deixa cair a bolinha no chão, a gata pula para brincar com aquele esboço de novelo, ela cutuca o buraco recém criado. Cabe meu dedo, cutuca um pouco mais, sente-se segura, puxa com força e faz um rasgo. E outro. E outro. E outro.
Tiras largas de tecido saem de suas mãos, misturadas com espuma, já é possível entrever a madeira da estrutura. A madeira da estrutura. A gata passa por entre as suas pernas, perdeu o interesse na bolinha. E ela, perdeu o interesse.

foto: imagem da internet


Nenhum comentário:

Postar um comentário