quarta-feira, 19 de abril de 2017

Caixa de costura

Há uns dias fui procurar no armário da minha mãe agulhas de crochê e linhas. Eu tinha certeza que, mesmo sem presenciar há muitos anos as habilidades manuais dela, essas coisinhas estariam lá.

Nem pedi permissão, pois ela está viajando. Fui xeretar no armário especialmente desenhado para acomodar sua máquina de costura. Nas laterais, gavetas, gavetinhas, gavetonas, primorosamente organizadas com caixas, caixinhas, caixonas de linhas, agulhas, carretéis, zíperes, botões, passamanarias, dedais, fitas e fitilhos.

No início deste ano, cismei que voltaria a bordar, tricotar, fazer algum trabalho manual.
Quando pequenas, eu e minha irmã usávamos roupas costuradas por mamãe (nunca me referi a ela assim!), diziam todos que éramos uns primores, de tão bem arrumadinhas que nos vestíamos.

Lembro da fantasia de fadinha, uma azul e a outra rosa, feitas para mim e Anna. Enquanto escrevo, quase sinto o tule usado na saia e no chapéu, em formato de cone, feito de isopor revestido de tecido, salpicado de estrelinhas douradas. Um véu de tule caía pelas costas, tudo isso para escorregarmos pelo chão do Clube Pinheiros, catando confete pra jogar nos outros. A memória é tão vívida que sinto estar vestida com ele, só fico em dúvida se estou de azul ou rosa. Um vestido, verde e que aparece em algumas fotos de infância, tinha uma detestável gravatinha. Como eu ficava brava por dentro, só por causa da gravata. As flores minúsculas da estampa, o corte e o comprimento do vestidinho me agradavam, mas a gravatinha, fininha, um laçarote caído, costurado no meio das golas, era um horror pra mim. Vendo as fotos, já não acho mais a mesma coisa, a chata era eu mesma. Na época dos sapatos de plataforma de borracha branca, ganhamos pantalonas lindas, bem anos 70. Karin costurava, fazia nossos cabelos, utilizando bobs e laquê em profusão, preparava as lasanhas dominicais para familiares e amigos, fumava e trabalhava muito. Sempre foi uma excelente vendedora, comerciante. Estava à frente de seu tempo, seja na moda, seja na ousadia. Ariana, quem entende, sabe do que falo. Nem sempre consegui compreende-la. Nossos arranca-rabos eram homéricos, do tipo "sai-de-baixo". Filha escorpiniana, quem entende, sabe do que falo.

Tudo isso, e um pouco mais, saiu de dentro da caixinha de costura que ilustra este texto. Ela tem praticamente a minha idade, acompanhou todas essas histórias e hoje, como fiel guardiã do tempo e das memórias, resolveu, sem que eu pedisse, trazer todas essas lembranças exatamente agora, quando comemoramos os 80 anos de vida da Karin.

Mãe, obrigada por tantas lembranças, vivências, apoios, experiências e vida.

E, obrigada por guardar a caixinha de costura e as agulhas de crochê. Mais uma vez, você vai me ajudar a ajudar. Te amo!

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